Combatidos a partir do século IV e excluídos a partir do século XVI, os evangelhos apócrifos são agora traduzidos para português por Frederico Lourenço a partir das línguas originais – latim e grego –, e reunidos numa edição bilingue de luxo que chega às livrarias a 6 de outubro, com comentários do tradutor. «Para lá da minha admiração pessoal por Jesus, posso garantir que me esforcei por apresentar estes textos de maneira objetiva (para que cada pessoa forme a sua opinião), ao mesmo tempo que procurei respeitar a sensibilidade de leitores religiosos», escreve Frederico Lourenço na nota introdutória.
Antes da imposição de uma doutrina única no século IV, o cristianismo caracterizou-se pela diversidade de pensamento. A par dos evangelhos tornados canónicos, circulavam também outros, atribuídos a nomes como Pedro, Tomé e Filipe, que davam a ver a figura de Jesus Cristo sob prismas diferenciados. O Evangelho de Pedro emprega uma palavra que nunca ocorre nos evangelhos canónicos: «discípula». No único evangelho cujo autoria é atribuída a uma mulher (o Evangelho de Maria), a pessoa a quem Jesus confia a sua doutrina não é Pedro nem João, mas sim Maria Madalena. Muitos destes textos permaneceram desconhecidos até à segunda metade do século XX e o seu conteúdo ainda suscita controvérsia. No entanto, os evangelhos apócrifos constituem um estímulo para repensarmos, hoje, o cristianismo de forma menos dogmática e com mais espírito de inclusão.
«A sua finalidade é dar a ler o material greco-latino em edição bilingue, com um comentário crítico-histórico tão imparcial quanto possível», observa o tradutor, considerando que «o material existente em grego e latim é suficientemente interessante para merecer uma leitura e análise, porque, sendo certo que nenhum evangelho apócrifo até agora encontrado (nem mesmo o de São Tomé) pode ser comparado, em termos de importância, com os quatro evangelhos do Novo Testamento, não deixa de ser verdade que a leitura destes textos margi-nalizados nos deixa vislumbrar o modo fascinante e diferenciado como várias gerações de cristãos entenderam e veneraram a figura de Jesus».